Morte de Cristina Buarque marca fim de era no samba tradicional brasileiro

Despedida a Cristina Buarque: a guardiã discreta do samba

A notícia da morte de Cristina Buarque pegou de surpresa a comunidade musical e admiradores da artista. Ela morreu aos 74 anos em Ilha de Paquetá, zona bucólica do Rio de Janeiro, onde vivia cercada pelo verde, pelo silêncio e pelas rodas de samba que ajudava a manter vivas. Cristina deixa um legado que vai muito além dos discos; ela se tornou referência na música brasileira por sua dedicação quase obstinada ao samba de raiz.

Nascida em uma família já marcada pela arte, Cristina era filha do renomado historiador Sérgio Buarque de Hollanda e da pianista Maria Amélia Alvim. Cresceu desde cedo envolvida pela música. Ao lado dos irmãos que também entraram para a história — Chico Buarque, Miúcha e Ana de Hollanda — ela escolheu trilhar um caminho de autenticidade. Enquanto Chico conquistava o grande público, Cristina preferiu a trilha das rodas de samba e dos álbuns dedicados a clássicos, comprometida com a preservação do repertório antigo de mestres como Nelson Cavaquinho, Cartola e Paulinho da Viola.

Os que conviveram com ela descrevem sua postura reservada, quase avessa à fama. Mesmo assim, sua estreia em disco, o álbum Cristina Buarque (1974), tornou-se referência obrigatória entre colecionadores e pesquisadores. Ali, faixas como “Quantas Lágrimas” ilustram a maneira impecável com que Cristina tratava os sambas — sempre buscando a essência, sem adornos desnecessários.

Caminho discreto, legado profundo e homenagens marcantes

Caminho discreto, legado profundo e homenagens marcantes

Ao longo das décadas, Cristina gravou discos marcantes: Prato e Faca (1976), Arrebém (1978) e Resgate (1994), projetos em que reforçava a importância da tradição no samba carioca e paulista. Ela também foi presença constante em coletâneas e projetos de outros artistas, mas quase sempre longe do centro das atenções. Nas rodas de samba, principalmente na Lapa e no Centro do Rio, Cristina era vista como mestre: incentivava novos compositores, resgatava sambas esquecidos, promovia encontros entre gerações e fazia do samba um espaço de partilha e resistência.

Entre os momentos mais emblemáticos de sua trajetória está a parceria com o irmão Chico no samba “Sem Fantasia”, lançado em 1968. O dueto inaugurou um diálogo musical entre os irmãos, marcando Cristina como referência para quem buscava o “lado B” da MPB, aquele que respira tradição. O músico e filho Zeca Ferreira, cineasta, resume bem: ela “era a pessoa mais íntegra que conheci na vida”.

O reconhecimento oficial não tardou. O presidente Lula reafirmou publicamente o peso da perda, destacando o “papel extraordinário” de Cristina na manutenção da música nacional. Na internet, artistas de várias gerações compartilharam memórias e histórias. Nas últimas décadas, Cristina se dedicou à promoção de rodas de samba, principalmente em espaços públicos e projetos comunitários na Ilha de Paquetá, aproximando o tradicional de novos públicos.

Cristina enfrentava um câncer havia anos, mas nunca deixou de cantar ou de incentivar jovens músicos. Sua força estava na sutileza, no empenho e na recusa do óbvio. Sua obra permanece viva e essencial para quem acredita que o samba, para sobreviver, precisa ser celebrado e cuidado com o carinho que ela sempre teve.

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