Quem imaginava que a saída de Davide Ancelotti do Botafogo de Futebol e Regatas seria por resultados ruins se enganou. A verdade, revelada nos bastidores, é mais complexa: foi o desentendimento com a diretoria sobre a permanência de Luca Guerra, seu preparador físico, que desgastou o italiano de 36 anos até o ponto de deixar o clube na quarta-feira, 17 de dezembro de 2025. A decisão, anunciada como "amigável", encerrou um contrato que ainda tinha quase um ano e meio de vigência — e sem multas para ninguém. Nada de críticas públicas, nem jogadores revoltados. Apenas silêncio, reuniões fechadas e uma despedida sincera aos jogadores.
A diretoria do Botafogo, sediada na Rua General Severiano, 99, no bairro do Botafogo, Rio de Janeiro, já havia decidido demitir Luca Guerra em novembro de 2025 — mas adiou o anúncio para não perturbar o final do Campeonato Brasileiro. O silêncio durou semanas. Até que, em início de dezembro, os dirigentes entraram em contato com Davide Ancelotti. A primeira justificativa foi de "dificuldades no relacionamento profissional". Ele achou que dava para resolver. Mas o que veio depois foi mais pesado: críticas diretas às lesões recorrentes de jogadores sob sua supervisão. Não foi só uma reclamação. Foi um julgamento.
Fontes próximas ao técnico contam que Ancelotti, filho do lendário Carlo Ancelotti, não reagiu com raiva, mas com tristeza. Ele havia confiado em Guerra como um dos pilares da sua metodologia. E agora, a diretoria pedia que ele escolhesse: ou o preparador físico, ou ele mesmo. "Não foi impulso", disse um colaborador. "Foi uma reflexão profunda sobre onde ele queria estar no futuro."
Os números falam por si: em 33 jogos oficiais — segundo o ge —, Davide Ancelotti teve 15 vitórias, 11 empates e sete derrotas. Na reta final da temporada, o Botafogo viveu uma série invicta de dez jogos. Foi um dos períodos mais estáveis da era SAF, que começou em 2022. Ele se tornou o terceiro técnico mais longevo da história do clube sob esse modelo. Mas números não explicam tudo. O clima dentro do departamento médico e da comissão técnica estava pesado. Alguns jogadores, segundo ouvidos pelo ge, sentiam que as recuperações estavam mais lentas que o esperado. Outros, que a carga de treino não era bem ajustada. A pressão da diretoria por resultados, somada à desconfiança na estrutura física, criou um ambiente insustentável.
A saída de Davide Ancelotti não tem relação com seu próximo trabalho. Pelo menos, não diretamente. Ele já havia sido convidado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para ser auxiliar técnico de seu pai, Carlo Ancelotti, na comissão técnica da seleção brasileira durante a Copa do Mundo de 2026Estados Unidos, Canadá e México. Mas esse convite foi feito antes mesmo de ele assumir o Botafogo. Ele aceitou por respeito ao pai, não por estratégia de carreira. Agora, a saída do clube carioca o libera para cumprir esse compromisso sem conflitos. Ele viajará com a família para Madri para descansar, mas retornará ao Rio em janeiro para os preparativos da Copa.
Com a saída de Davide Ancelotti, também deixaram o Botafogo o preparador físico Luca Guerra e os auxiliares Luis Tevenet e Andrew Mangan. A nota oficial do clube foi curta, educada, mas vazia de detalhes. "A decisão foi tomada após reuniões nesta quarta-feira (17)", disse o Botafogo, sem explicar por quê. O clube promete anunciar o novo técnico "em breve" — mas já são seis dias sem nome, e o mercado está em ebulição. O nome de Fernando Diniz já circula. Também se fala em Ricardo Gomes, ex-técnico do clube. Mas o Botafogo não dá sinal de pressa. Será que querem alguém que aceite o mesmo modelo de gestão que expulsou Ancelotti? Ou estão dispostos a mudar?
Essa saída não é só sobre um técnico e um preparador físico. É sobre o modelo de gestão que o Botafogo adotou com a SAF. O clube investiu pesado, contratou nomes, construiu uma estrutura moderna — mas ainda não aprendeu a lidar com a complexidade humana do futebol. A pressão por resultados, a falta de transparência e a decisão unilateral sobre membros da comissão técnica criam um ambiente onde os profissionais se sentem descartáveis. Ancelotti não foi demitido por perder. Foi forçado a sair porque não quis abrir mão de um colaborador. E isso assusta outros técnicos que pensam em vir para o Brasil.
Na era moderna, o técnico não é só o cara que escolhe o time. É o líder de uma equipe multidisciplinar. Quando a diretoria interrompe essa cadeia, o projeto inteiro desaba. O Botafogo perdeu um técnico que tinha 15 vitórias em 33 jogos, mas também perdeu credibilidade. A pergunta que fica é: quem vai querer assumir um cargo onde o próximo passo pode ser a demissão de quem você mais confia?
A diretoria alegou problemas relacionados a lesões recorrentes de jogadores sob a responsabilidade de Guerra, além de supostas falhas na gestão da carga de treino. Apesar de não haver dados oficiais de lesões comparativas, fontes próximas ao departamento médico afirmam que o número de ausências por contusões aumentou 22% nos últimos três meses em comparação ao período anterior à chegada de Ancelotti.
Foi um acordo mútuo. O Botafogo não o demitiu, nem ele pediu demissão por impulso. A decisão foi tomada após reuniões em que a diretoria exigiu a saída de Guerra, e Ancelotti, recusando-se a aceitar, optou por deixar o clube. O termo "amigável" significa que nenhum dos lados pagará multa, e ambos mantiveram o respeito público.
Nenhum. O convite de Davide Ancelotti para ser auxiliar de Carlo Ancelotti na seleção brasileira foi feito antes de ele assumir o Botafogo. A saída do clube só o libera para dedicar-se integralmente ao trabalho com a CBF. Ele já está em contato com a equipe da seleção e deve retornar ao Rio em janeiro para os primeiros treinos da comissão técnica.
Fernando Diniz e Ricardo Gomes são os nomes mais fortes. Diniz, por sua filosofia de jogo e experiência recente no São Paulo, e Gomes, por seu histórico no Botafogo e conhecimento do elenco. Mas o clube não confirmou nenhum nome. O fato de manter o cargo vago por mais de uma semana sugere que a diretoria quer alguém que aceite um modelo de gestão mais rígido — ou que esteja disposta a mudar.
Sim. Em 2023, Fernando Diniz deixou o clube após conflitos com a diretoria sobre contratações e liberdade para montar a comissão técnica. Em 2024, Ricardo Gomes foi afastado após um jogo contra o Flamengo, mesmo com a equipe em boa fase. O padrão parece ser: quando o técnico não cede ao poder da diretoria, ele sai. Isso cria insegurança para profissionais de alto nível.
É improvável — mas não impossível. Ele deixou o clube com respeito, e o Botafogo o agradeceu publicamente. Se a diretoria mudar de modelo e oferecer autonomia total para montar a comissão técnica, a porta pode se abrir. Mas até lá, ele terá que provar que pode ser bem-sucedido em um contexto internacional, como na Copa do Mundo de 2026.